62 dias na Gâmbia: Uma lição de vida
Durante este verão eu tive a oportunidade de participar em uma pesquisa de campo na área de desenvolvimento econômico como assistente de pesquisa. O estágio ocorreu na Gâmbia, também conhecida como “A costa sorridente da África”. Ao todo, eu estive trabalhando em uma pesquisa sobre migração ilegal durante 62 dias. Contudo, a experiência começou alguns dias antes de partir para a África e eu acredito que os impactos dela irão persistir durante muito tempo na minha vida pessoal. Este texto é uma tentativa de descrever brevemente uma história de aprendizagem intensiva, desafios e, claro, muitos sorrisos.
A aventura começou em um consultório médico, especializado em medicina tropical. A consulta foi bastante importante antes da viagem, uma vez que eu deveria saber as vacinas que eu deveria tomar e entender todas as precauções necessárias para evitar qualquer tipo de doença durante a minha estadia. Seguir as instruções médicas me fez sentir mais seguro e confortável para me concentrar nas tarefas do estágio.
Os primeiros dias foram bastante enriquecedores. Primeiramente, eu busquei entender melhor as normas e hábitos culturais do país. Além disso, aprender algumas palavras mais usuais na língua local foi muito importante para eu criar empatia com os locais do país. Durante toda a minha estadia, as pessoas se mostraram bastante abertas e queria saber mais sobre a minha pessoa. A maioria das pessoas na Gâmbia acompanham as principais ligas europeias de futebol e muitos deles gostavam de jogadores brasileiros, além de torcerem para o Brasil durante a Copa do Mundo. Essas pequenas conversas me mostraram a importância de encontrar algum aspecto em comum entre você e a comunidade local para criar empatia, confiança e construir relações mais abertas aos tópicos que possam ser interessantes para a pesquisa que está sendo executada.
Em relação à pesquisa, o nosso principal objetivo é entender qual politica pública poderia ser implementada para reduzir o número de pessoas tomando o risco de uma jornada ilegal rumo à Europa. Para responder essa pergunta, o método de pesquisa chamado Randomized Controlled Trial (RCT) foi implementado em diferentes regiões da área rural da Gâmbia. Assim, algumas vilas foram selecionadas aleatoriamente para receber diferentes tipos de tratamentos (ou políticas) que potencialmente poderiam afetas o comportamento dos cidadãos da Gâmbia em relação à possibilidade de migração ilegal. Uma das políticas implementadas foi estressar para as pessoas a alternativa de migração ao Senegal, um país vizinho que possui uma maior renda per capita e maiores oportunidades de emprego comparado com a Gâmbia. Essa intervenção inclui, inicialmente, um vídeo, mostrado aos indivíduos participantes da pesquisa, com um conteúdo que mostrava as condições de vidas dos Gambianos que moravam no Senegal. Além disso, alguns indivíduos foram selecionados aleatoriamente para receber um voucher que fornecia uma viagem grátis a Dakar, capital do Senegal. A ideia é aliviar as restrições de liquidez que algumas pessoas podem enfrentar durante o processo de decisão de mudança para outro país. Outro exemplo de tratamento que está sendo implementado é oferecer programas de formação profissionalizantes em diferentes áreas do conhecimento. O treinamento pode oferecer melhores oportunidades de emprego para essas pessoas na Gâmbia, aumentando o custo de oportunidade de uma viagem ilegal para outro continente. Como a pesquisa ainda está em andamento, os primeiros resultados serão obtidos em setembro de 2020, quando nós tivermos todas as políticas implementadas e os dados coletados.
Particularmente, a minha experiência exemplificou diversos desafios de se conduzir uma pesquisa de campo em um país em desenvolvimento. Por exemplo, muitas pessoas participantes no projeto supostamente deveriam ser contatadas via ligações telefônicas. Entretanto, o sinal telefônico não era bom na maioria das regiões rurais do país que estávamos trabalhando, fazendo com que fosse importante para nós entender durante quais períodos do dia as pessoas iam para lugares em suas vilas em que o sinal era melhor. Além disso, eu percebi o quanto é importante deixar bem claro a todas as partes envolvidas os detalhes das políticas que estão sendo implementas pela pesquisa. Algumas pessoas se mostraram interessadas em participar em algum aspecto do projeto, mas quando a participação de fato deveria ocorrer, elas pediam coisas que não estavam dentro do escopo da investigação, gerando uma certa frustração para todos os envolvidos.
O estágio também me ensinou a importância da comunicação entre todo o grupo de investigadores participantes do projeto. No nosso caso, haviam economistas localizados em Lisboa, Washington e Paris que estava comandando a pesquisa. Eles precisavam saber todos os detalhes sobre como estava o andamento das coisas no campo para auxiliar na tomada de decisão. Oferecer a eles um relatório diário foi de extrema importância para melhorar alguns aspectos do trabalho de campo e receber sugestões de como resolver alguns problemas. Trabalhar em grupo se mostrou uma condição necessária para atingir os objetivos da pesquisa. A comunicação todas as vezes gerou bons conselhos para as pessoas que estavam trabalhando no campo.
Além de trabalhar, eu tive a oportunidade de conhecer pessoas muito legais. Os meus companheiros de trabalho, as pessoas que trabalhavam no lugar em que eu residia ou no supermercado em que eu fazia compras, o motorista que me auxiliava na locomoção ao redor da cidade e muitos outros amigos que fiz de outras maneiras foram muito importantes para me proporcionarem momentos de alegria, sorrisos e compartilhar conhecimento.
Com tudo o que foi mencionado, fazer uma pesquisa de campo em desenvolvimento econômico não é fácil, é preciso seguir recomendações médicas, ultrapassar diferenças culturais, enfrentar desafios na implementação dos planos e ser resiliente, buscando soluções que possam fazer com que as coisas funcionem de uma maneira melhor. Entretanto, vale a pena. Eu tenho certeza que a pesquisa, na qual eu dei a minha contribuição, trará resultados interessantes que podem ajudar no debate e implementação de políticas públicas do país. Além disso, as amizades que fiz irão permanecer por toda a minha vida e os momentos que vive estarão para sempre em minha memória e em meu coração.
Escrito por Vitor Cavalcante, estudante do Mestrado de Economia na Nova SBE e membro do NOVAFRICA Student Group.