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A Economia ao Serviço das Pessoas

O Prémio Nobel da Economia atribuído a Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer celebra uma verdadeira revolução na economia. É uma distinção merecida para uma nova abordagem na análise económica que valoriza a obtenção de evidência rigorosa como base necessária para a formulação e aplicação de políticas públicas com mais impacto. Os investigadores galardoados inovaram na utilização de métodos experimentais para testarem políticas económicas. Mas a sua grande contribuição é lembrarem-nos de que a ciência económica precisa de estar perto das pessoas para melhorar o mundo.

O trabalho dos três economistas galardoados desde que criaram o Poverty Action Lab no MIT nos anos 90 tem focado especialmente no combate à pobreza em África e no subcontinente indiano. Mas a influência desta linha de investigação não deve ser reduzida ao impacto fundamental que tiveram no modo como hoje se combate a pobreza nos países em desenvolvimento. É verdade que instituições internacionais como o Banco Mundial, as agências de cooperação (USAID, DFID, cooperação nórdica) e as maiores ONGs internacionais trabalham hoje em dia lado a lado com académicos para testar o impacto das suas políticas de combate à pobreza antes de as replicarem em larga escala. Mas esta escola de pensamento alargou-se hoje à avaliação do impacto de políticas públicas com muitos outros objectivos e em todas as geografias, incluindo nos países mais desenvolvidos – caso das políticas da educação e saúde, promoção do emprego, ou da mobilização para a participação política.

Em Portugal, desde 2011, o centro NOVAFRICA, criado na Nova School of Business and Economics, inclui-se na escola de pensamento criada pelos laureados deste ano e que preconiza a recolha de dados em contacto próximo com as populações para testar experimentalmente o impacto de políticas de desenvolvimento – porque as políticas públicas têm muitas vezes efeitos inesperados.

Por exemplo, no contexto de um estudo que estamos a fazer sobre as migrações irregulares da África ocidental para a Europa, aprendemos que informar as populações de que uma em cada três pessoas morre na viagem para a Europa não diminui, mas ao invés aumenta a vontade de emigrar! A razão é simples mas não seria óbvia sem este tipo de trabalho de campo: a expectativa inicial destes africanos era que um em cada dois migrantes morresse na tentativa de emigrar – e ainda assim acham que esta emigração arriscada vale a pena dada a pobreza extrema que vivem no seu quotidiano.

Noutro trabalho, no Norte de Moçambique, onde se têm intensificado ataques terroristas e simultaneamente se inicia exploração de valiosos recursos naturais, aprendemos que uma iniciativa de formação anti-radicalização islâmica promovidas pelas mesquitas locais é mais eficaz a diminuir a violência do que formação para melhorar a empregabilidade no mercado de trabalho. Não basta melhorar a vida das pessoas para combater discursos extremistas, é preciso desradicalizar.

Ainda em Moçambique, com o objectivo de diminuir a incidência da fome no contexto de calamidades naturais (como as cheias que se repetem todos os anos neste país), aprendemos que o telemóvel que qualquer Africano hoje em dia tem pode ter um papel muito relevante. Em especial, a possibilidade de envio de remessas à distância através do telemóvel (serviço de mobile money) permite a emigração para regiões mais ricas, de onde é possível apoiar a família e assim permitir que esta não passe fome e tenha melhor acesso a cuidados de saúde e educação.

O crescimento demográfico em África é explosivo e a criação de emprego é uma prioridade essencial. Neste contexto em que o sector privado é dominado por microempresas, aprendemos que intervenções que inspirem os empresários a crescer são especialmente eficazes a melhorar a performance dos negócios. Surpreendentemente, as limitações à expansão empresarial não parecem ser tanto o acesso a recursos financeiros ou a formação em técnicas de gestão, mas a falta de ambição e confiança na possibilidade de sucesso – uma aprendizagem crucial para o desenho de políticas eficazes para o crescimento empresarial e a criação de empregos neste contexto.

Na Guiné-Bissau, observámos que os agentes de saúde comunitária, essenciais para a diminuição da mortalidade infantil, têm melhores performances quando incentivados por reconhecimento social nas suas comunidades. De notar que a estratégia que usámos para levar as populações a utilizar serviços médicos modernos passa por trabalhar de perto com os curandeiros tradicionais. Deste modo, a confiança que as pessoas têm nos seus líderes religiosos é transferida para os agentes de saúde comunitária.

Finalmente, em Angola, aprendemos que usar a tecnologia, nomeadamente tablets com software educacional moderno, é uma ferramenta poderosa para os professores. Estes professores têm muitas vezes uma baixa formação pedagógica, mas conseguem assim melhorar um pouco a performance académica dos alunos, mas especialmente a sua motivação e gosto pela escola.

Em síntese, o Prémio Nobel da Economia em 2019 veio contribuir para demonstrar que a ciência económica não serve apenas para (não) prever o funcionamento dos mercados – mas é uma ciência que pode e deve estar ao serviço das pessoas e da construção eficiente de um mundo melhor. Que se traduza na motivação para continuarmos todos os economistas a trabalhar nesse sentido.

Cátia Batista e Pedro Vicente
Fundadores e Diretores Científicos do Centro NOVAFRICA