Demistificando a Migração
Os fluxos migratórios internacionais têm vindo a crescer em todo o mundo nas últimas décadas. Ao mesmo tempo, políticas anti-imigração estão a ser amplamente discutidas e adotadas, uma vez que a imigração é vista como uma ameaça pelos cidadãos dos países de destino.
Embora as alegações que “pintam” a imigração como uma ameaça às oportunidades de trabalho ou à segurança nacional tenham recebido uma atenção crescente na imprensa, tais perceções erradas não são, de forma alguma, recentes. Nos anos 70, em Portugal, o regresso dos portugueses que viviam nas colónias, foi visto com bastante hostilidade, com os meios de comunicação social a descreverem os “retornados” como “roubando casas e empregos” aos cidadãos nativos (Mäkelä, 2017).
Contudo, vários estudos em economia, geralmente desconhecidos do grande público, podem ajudar a ultrapassar tais perceções incorretas. Este artigo apresentará alguma da investigação sobre o tema para ajudar a desmistificar o fenómeno da migração.
Embora apenas 3% da população mundial sejam migrantes, a migração tem sido uma das questões políticas mais influentes nos países mais ricos. Porquê? Em parte, porque os políticos de extrema-direita criam e alimentam as perceções erradas que as pessoas têm relativamente ao número e composição dos migrantes (Alesina et al., 2018) e distorcem os factos como uma tática eleitoral (Rodriguez et al., 2017).
Os políticos não só tiram partido de crenças como as de que os imigrantes são menos instruídos, mais pobres, mais suscetíveis de estarem desempregados e de viverem de transferências sociais governamentais; mas também alimentam a ideia de que os imigrantes ameaçam a identidade cultural de um país. Além disso, uma afirmação comum é a de que os migrantes diminuirão as oportunidades de emprego dos nativos e diminuirão os salários.
Ao contrário do que muitas pessoas poderão pensar, nem todos os pobres querem migrar para um país mais rico e com mais oportunidades.
A vontade e a decisão de migrar depende de vários aspetos tais como, os custos e o risco da mudança, ou o salário que os migrantes esperam ganhar. Um fenómeno comum observado é o de que as pessoas que sofrem de pobreza extrema e, que podem ganhar mais com a migração, não o conseguem fazer porque não têm dinheiro para suportar a viagem. De facto, vários estudos mostram que as pessoas que migram não são as mais pobres, mas são indivíduos da “classe média” cujas famílias são capazes de angariar fundos suficientes não só para pagar a mudança, mas também para suportar os custos com educação. Consequentemente, um número crescente de migrantes são indivíduos qualificados, no início dos seus vinte anos (McKenzie, 2008) e nos seus últimos anos de estudo (Groggr e Hanson, 2011), que procuram salários mais elevados e uma melhor qualidade de vida (Punch and Sugden, 2013).
Outro aspeto que os migrantes têm em consideração é a rede de apoio, ou seja, os amigos e/ou família que têm no país de destino. Ter uma boa rede de destino reduz tanto o custo da migração (McKenzie & Rapoport, 2010) como aumenta as hipóteses de sucesso no país de acolhimento; por exemplo, resultados encontrados por Batista e Costa (2018) mostram que, ter contactos próximos no país de destino está associado a salários líquidos mensais médios mais elevados e a uma maior probabilidade de ter um contrato de trabalho permanente
Além disso, uma componente importante da decisão de migrar tem a ver com preferências e, aos olhos da galardoada com o Prémio Nobel, Esther Duflo, as pessoas ‘preferem ficar em casa’[1]. Consequentemente, um indivíduo pode preferir não migrar, mesmo podendo melhorar a sua situação económica e social se o fizesse. Batista e McKenzie (2018), realizaram uma experiência de laboratório com incentivos, onde testaram várias teorias clássicas de migração; descobriram que anexar o rótulo “Casa” a um país torna os potenciais migrantes mais dispostos a escolher esse destino.
Embora as pessoas prefiram ficar em casa, os fluxos migratórios cresceram significativamente nestes últimos anos devido a situações de crise, nomeadamente conflitos como a Guerra Civil na Síria. Consequentemente, há uma grande proporção de pessoas que migram porque não têm outra escolha, porque “o lar é a boca de um tubarão”[2]!
No entanto, apesar de estes migrantes procurarem segurança e estabilidade, os nativos temem um aumento do crime. Esta crença pode levar a tensões entre nativos e imigrantes, xenofobia, racismo e preconceito.
Em 2016, o Ex-President dos Estados Unidos, Donald Trump, referiu-se a migrantes mexicanos como traficantes de droga, violadores e criminosos[3]. Contudo, estudos realizados nos EUA, Itália e Inglaterra mostram que a imigração não influencia o número deste tipo de crimes graves (Spenkuch, 2010, Bianchi et al., 2012, Bell et al., 2010).
Contudo, a imigração pode estar relacionada com um aumento de delitos menores, tais como roubos, motivados pela falta de condições financeiras ou documentação (Spenkuch, 2010, Bianchi et al., 2012, Bell et al., 2010). No entanto, estes crimes representam apenas uma pequena porção da taxa gobal de criminalidade do país, o que implica que o seu impacto é quase nulo (Bianchi et al.,2012). Consequentemente, o impacto é demasiado pequeno para compensar os potenciais ganhos de bem-estar da imigração na economia (Spenkuch, 2010).
Além disso, Pinotti (2017) mostra que migrantes que recebem autorização de residência são menos propensos a cometer infrações criminais, uma vez que podem enfrentar grandes perdas, por exemplo, arriscam-se a ser expulsos do país. Isto poderia explicar as conclusões de Bell et al. (2010) que revelam que, em Itália, as taxas de detenção dos imigrantes não diferem das dos nativos.
Finalmente, a última perceção incorreta que alguns cidadãos dos países de destino têm em relação aos migrantes, é que estes irão competir com eles pelos mesmos postos de trabalho, o que acabará por baixar os salários que os empregadores estarão dispostos a pagar.
Apesar desta preocupação, a literatura económica ainda não chegou a um consenso sobre o impacto da imigração no mercado de trabalho. O desacordo está relacionado, por exemplo, com as características tanto do mercado de trabalho regional como nacional e com o tempo necessário para se adaptar ao fluxo dos novos trabalhadores. Consequentemente, o impacto a curto prazo da imigração pode ser diferente do impacto a longo prazo, e pode também ser diferente de país para país e dentro de um país (Edo, 2019; Piyapromdee, 2020).
No entanto, os efeitos desiguais, especialmente entre regiões, tendem a dissipar-se rapidamente (Colas, 2018). Assim, a maioria dos resultados obtidos em diferentes projetos de investigação concluem que imigrantes, pouco ou altamente qualificados, não têm um impacto negativo sobre os salários dos nativos. Aliás, os investigadores concluem que o impacto da imigração nos salários dos nativos tende a ser nulo ou mesmo ligeiramente positivo, especialmente após algum tempo de ajustamento ao fluxo de novos trabalhadores (Ottaviano e Peri, 2012; Edo, 2019).
Além disso, os imigrantes podem mesmo trazer um novo conjunto de aptidões e aspirações que podem fomentar a inovação (Edo, 2019). Como resultado, muitos imigrantes tornam-se grandes empreendedores, sendo Elon Musk um exemplo proeminente.
Ademais, os imigrantes podem melhorar as aptidões dos nativos e aumentar a produtividade (Edo, 2019; Banerjee e Duflo, 2019). Os trabalhadores nativos pouco qualificados podem, por exemplo, melhorar as suas competências e, evoluir de trabalhos pouco especializados para mais especializados; e, podem também especializar-se em tarefas que envolvem mais capacidade de comunicação, enquanto os imigrantes podem especializar-se em tarefas que requerem menos interação, uma vez que podem não dominar a língua do país de acolhimento (Banerjee e Duflo, 2019). Para além de que os imigrantes podem beneficiar a economia ao aceitarem empregos que alguns nativos estão relutantes em realizar, tais como limpezas.
Assim, os nativos podem não competir diretamente com os imigrantes, mas podem complementar-se uns aos outros.
Para concluir, os imigrantes são uma parte essencial da nossa economia e comunidade. Contudo, para que os cidadãos dos países de destino estejam abertos aos benefícios da migração, têm de compreender quem migra e o porquê de migrar. Só assim, será possível derrotar as perceções erradas que predominam na comunidade.
Para superar estes mitos sobre a migração, os meios de comunicação e a comunidade académica desempenham um papel fulcral. Ao tornar alguns dos resultados acima mencionados mais acessíveis ao público em geral, as informações falsas fornecidas pelos políticos nas campanhas eleitorais podem ser averiguadas e, assim, a comunidade poderá tornar-se mais inclusiva e com opiniões menos populistas.
by Rita Neves, MSc Economics 2020-2022
Referências:
Alesina, Alberto, Miano, Armando and Stantcheva, Stefanie. (2018). Working Paper. “Immigration and Redistribution .” NBER Working Paper 24733 [Revise and Resubmit at The Review of Economic Studies].
Banerjee, Abhijit. and Duflo, Esther, Good Economics for Hard Times (Great Britain: Allen Lane, 2019), 10-50.
Batista, C., & Costa, A. I. (2018). Assessing the Role of Social Networks on Migrant Labor Market Outcomes. NOVAFRICA Working Paper Series, 1601.
Batista, Cátia and McKenzie, David. (2018) Testing Classic Theories of Migration in the Lab. https://research.unl.pt/ws/files/26626231/batista_c2249.pdf
Bell, Brian & Machin, Stephen & Fasani, Francesco. (2010). Crime and Immigration: Evidence from Large Immigrant Waves. Review of Economics and Statistics. 95. 10.1162/REST_a_00337.
Bianchi, Milo, Buonanno, Paolo and Pinotti, Paolo. (2012). Do Immigrants Cause Crime? Journal of the European Economic Association. Volume 10 – Issue 6. 1 December 2012. Pages 1318–1347. https://doi.org/10.1111/j.1542-4774.2012.01085.
Edo, Anthony. (2018). The impact of immigration on the labor market. Journal of Economic Surveys. https://doi.org/10.1111/joes.12300
Grogger, Jeffrey and Hanson, Gordon H. (2011). Income maximization and the selection and sorting of international migrants. Journal of Development Economics, Elsevier, vol. 95(1), pages 42-57, May. https://doi.org/10.1016/j.jdeveco.2010.06.003.
Mäkelä, Erik. (2017). The effect of mass influx on labor markets: Portuguese 1974 evidence revisited. European Economic Review. 98. 10.1016/j.euroecorev.2017.06.016.
Mckenzie, D., & Rapoport, H. (2007). Network effects and the dynamics of migration and inequality: Theory and evidence from Mexico. Journal of Development Economics, 84(1), 1–24. https://doi.org/10.1016/j.jdeveco.2006.11.003
McKenzie, David. (2008). A Profile of the World’s Young Developing Country International Migrants. Population and Development Review, 34(1), 115-135 http://www.jstor.org/stable/25434661
Ottaviano, Gianmarco I. P., and Giovanni Peri. “RETHINKING THE EFFECT OF IMMIGRATION ON WAGES.” Journal of the European Economic Association 10, no. 1 (2012): 152-97. Accessed February 22, 2021. http://www.jstor.org/stable/41426727.
Pinotti, Paolo. (2017). Clicking on Heaven’s Door: The Effect of Immigrant Legalization on Crime. American Economic Association. https://www.jstor.org/stable/24911325
Piyapromdee, S. (2020) The Impact of Immigration on Wages, Internal Migration and Welfare. The Review of Economic Studies. 10.1093/restud/rdaa029. (In press).
Punch, Samantha and Sugden, Fraser. (2013). Work, education and out-migration among children and youth in upland Asia: changing patterns of labour and ecological knowledge in an era of globalisation. Local Environment, 18:3, 255-270. DOI: 10.1080/13549839.2012.716410
Rapoport, Hillel, Sardoschau, Sulin and Silve, Arthur. (2020). Migration and Cultural Change. CESifo Working Paper No. 8547. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3689469
Rodriguez, Oscar and Guriev, Sergei and Henry, Emeric and Zhuravskaya, Ekaterina. (2019). Facts, Alternative Facts, and Fact Checking in Times of Post-Truth. Politics Journal of Public Economics. Forthcoming. Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3004631 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3004631
Spenkuch, Jörg. (2010). Understanding the Impact of Immigration on Crime. American Law and Economics Review. 16. 10.2139/ssrn.1612849.
[1] The Sveriges Riksbank Prize in Economic Sciences in Memory of Alfred Nobel 2019. (n.d.). NobelPrize.Org. Retrieved 26 October 2021, from https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/2019/duflo/159466-duflo-interview-transcript/
[2] Banerjee, Abhijit. and Duflo, Esther, Good Economics for Hard Times (Great Britain: Allen Lane, 2019), 10-50.
[3] What Trump has said about Mexicans. (n.d.). BBC News. Retrieved 26 October 2021, from https://www.bbc.com/news/av/world-us-canada-37230916