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Dias cruciais para o futuro da pesca

O oceano desempenha um papel crítico para a segurança alimentar global. A nível mundial, sustenta a subsistência de mais de 3 mil milhões de pessoas, a grande maioria das quais vive em países de baixo e médio rendimento. 

Ao ignorar as consequências para a segurança alimentar, estamos a ter um impacto dramático nas águas costeiras. Estas águas ficam poluídas com poluentes orgânicos e vestígios de metais derivados de combustíveis fósseis e da produção industrial, e nutrientes da agricultura, tais como fósforo e azoto contidos em fertilizantes. As águas são também contaminadas por resíduos humanos.

As Nações Unidas salientam que mais de 80% das águas residuais resultantes de atividades humanas, incluindo esgotos, são descarregadas em rios ou mares sem qualquer tratamento. As preocupações com a poluição plástica são também graves. Além disso, as alterações climáticas estão a afetar dramaticamente as condições em que os peixes se desenvolvem, aumentando a acidez das águas e aquecendo-as. A receita é ainda complementada pela pesca excessiva e a utilização da pesca destrutiva do habitat. A percentagem de unidades populacionais de peixe dentro de níveis biologicamente sustentáveis diminuiu de 90% nos anos 70 para apenas 66% em 2017.

Esta é uma questão urgente para o continente africano. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura salientou no seu último relatório sobre “O Estado da Pesca e Aquacultura Mundial” a centralidade do oceano para os países costeiros em África, e para os milhões de cidadãos que vivem ao longo das suas costas. A pesca e a aquacultura empregam aqui mais de 5 milhões de pessoas, quase o dobro do número de trabalhadores empregados nas Américas. Espera-se também que este sector se expanda mais no continente africano do que noutras partes do mundo, com um impressionante aumento de 48 por cento na produção até 2030.

O oceano é também central para a nutrição das populações que vivem nestas áreas. Os peixes constituem uma fonte acessível de macro e micronutrientes essenciais para a saúde. Isto é particularmente importante para as comunidades onde o peixe desempenha um papel central na dieta, tais como as zonas costeiras que dependem da pesca artesanal e em pequena escala. No entanto, esta dependência não se restringe apenas a estas áreas. Por exemplo, num país como o Gana, o peixe contribui para 50% ou mais da ingestão total de proteínas animais.

As consequências da deterioração da vida marinha são, portanto, claras nesta região: perspetivas reduzidas de crescimento num sector em expansão e insegurança alimentar. Isto é ainda realçado pelo facto da maioria das comunidades costeiras, onde a maior parte da urbanização está atualmente a ocorrer, serem também altamente vulneráveis a outros fenómenos climáticos adversos. Por exemplo, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento estima que o ciclone Idai de 2019 em Moçambique causou danos no sector das pescas no valor de 20 milhões de dólares.

Embora as negociações na Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas de 2021 estejam em curso, é necessária uma atenção urgente para o estado das zonas costeiras em África. A prioridade deve ser dada ao desenvolvimento de um sector pesqueiro e aquícola sustentável, e à sensibilização sobre a importância de preservar os recursos marinhos. A segurança alimentar continental e global está em jogo.

Alex Armand, Professor Associado da Nova SBE e membro residente do NOVAFRICA.