Quatro Meses em Bula: porque é que o faria de novo
Chamo-me Rita e estou atualmente a terminar o mestrado em Economia, na Nova SBE. O semestre passado tive o prazer de realizar um estágio enquanto assistente de pesquisa para o Novafrica, num projeto sobre Crenças e Cuidados de Saúde na Guiné-Bissau. O principal objetivo deste projeto é avaliar de que forma as crenças que as pessoas têm afetam a sua procura por cuidados de saúde. Foi uma experiência incrível, que me ensinou muito, tanto a nível profissional como a nível pessoal. 4 meses que ao início pareciam tanto tempo, e que acabaram por passar tão rápido, deixando aquela sensação agridoce de quem deixa um sítio onde se sentiu em casa.
Os primeiros dias foram um pouco agitados. Cheguei sozinha a Bissau, mas claro que havia algumas pessoas da equipa do Novafrica à minha espera, prontas a mostrar-me tudo. Inicialmente ficámos em Bissau durante uns dias, para preparar algumas coisas para o projeto (como comprar um cartão de telemóvel e tantas outras coisas que só podem ser feitas na capital). Eventualmente partimos para Bula, o sítio onde ficámos a maior parte do tempo. Bula é uma pequena cidade (embora não se pareça de todo com uma cidade), perto de Bissau, a cerca de uma hora e pouco de carro. Era lá que tínhamos o escritório, e de onde conduzíamos todas as atividades relacionadas com o projeto. Bula era sem dúvida menos desenvolvido do que eu esperava: só existia uma estrada principal, a eletricidade tinha um horário (algumas horas de manhã e algumas horas ao fim do dia), água canalizada era uma coisa rara e toda a gente parecia viver de forma muito rural. Passado algum tempo a viver em Bula habituei-me completamente ao sítio! Passávamos muito tempo com os nossos vizinhos e começámos a conhecer pessoas um pouco por todo o lado.
Depois de alguns atrasos, algo muito comum quando trabalhamos na Guiné-Bissau, conseguimos finalmente começar o trabalho de campo. O nosso objetivo era
organizar a implementação do inquérito de base aos agregados familiares. Primeiro foi necessário treinarmos as enumeradoras (as pessoas que de facto fizeram as perguntas durante os inquéritos), e estávamos então prontos a começar as entrevistas. O plano era entrevistar mulheres grávidas ou mães de crianças com menos de 5 anos, em aproximadamente 160 aldeias. O inquérito forneceu-nos dados sobre as características das mães, crenças relacionadas com a religião e a etnia, comportamentos de saúde, medidas antropométricas das crianças e outras características dos agregados familiares. Durante o estágio fui várias vezes com as equipas ao campo observar as entrevistas, o que foi bastante interessante e acabou por me ensinar muitas coisas sobre o contexto rural na Guiné-Bissau. Para mim esta foi sem dúvida a parte mais interessante desta experiência, que me deu uma nova perspetiva em relação aos dados, de onde vêm e porque é tão importante que sejam recolhidos cuidadosa e rigorosamente. Nos restantes dias ficava no escritório, a analisar os dados recolhidos nos dias anteriores, de forma a verificar a sua qualidade e a detetar eventuais problemas.
Enquanto estudante de economia do desenvolvimento, penso que esta experiência moldou completamente as minhas opiniões em relação ao trabalho de pesquisa, levando-me a entender quão complexo é realmente desenvolver trabalho empírico e quão importantes todas as subpartes deste trabalho são, de forma a criar algo com qualidade mais tarde. Para além disso, mostrou-me quais são os desafios de conduzir trabalho de pesquisa no contexto de um país em desenvolvimento. Muitas das coisas que habitualmente fazemos sem dificuldades em países como Portugal, podem tornar-se muito mais difíceis em países como a Guiné-Bissau. Os planos logísticos são frequentemente complicados devido às circunstâncias, a falta de eletricidade ou de rede de telemóvel e os constantes cortes de internet, que são problemas com os quais não estava habituada a lidar em Portugal, são bastante comuns na Guiné-Bissau e tornam-se parte do trabalho do dia a dia. Penso que a adaptação a um contexto tão diferente foi uma parte essencial desta experiência, que em última análise me ensinou bastante sobre como trabalhar numa conjuntura onde muitas coisas inesperadas acontecem ao mesmo tempo, e onde habitualmente o primeiro plano simplesmente não funciona.
Uma das melhores partes de ter vivido na Guiné-Bissau foi sem dúvida as pessoas que tive o prazer de conhecer. Depois de ter aprendido um pouco de Crioulo tornou-se muito mais fácil comunicar com toda a gente. As pessoas são habitualmente bastante simpáticas e gostam muito de conversar, estando sempre prontas para beber uma cerveja ou partilhar uma refeição connosco. Foi também por ter conhecido estas pessoas que pude aprender tanto sobre o país, a sua imensa cultura e tradições. Para além disso, tive o prazer de conhecer estrangeiros, que tal como eu, estavam a trabalhar na Guiné-Bissau em diferentes ONGs, o que foi um contacto interessante com uma realidade com a qual não estava muito familiarizada. Por último, mas não menos importante, conheci uma amiga fantástica, com quem partilhei uma casa, um escritório, um trabalho, e muitos momentos de alegria. A ela (Freda), agradeço imenso pela paciência e pelas gargalhadas.
De forma geral, penso que esta experiência me tornou uma pessoa mais completa. Do ponto de vista profissional houve de facto muitos desafios, que contribuíram para melhorar o meu conhecimento em relação ao trabalho empírico e aumentaram também o meu interesse em economia do desenvolvimento. Do ponto de vista pessoal foi um conjunto de novas experiências, novas pessoas e novos sítios, que deixou sem dúvida uma grande marca em mim. Mal posso esperar por regressar.
Rita Moreira, estudante de Mestrado em Economia na Nova SBE.