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O Dilema da Riqueza em África: A Maldição dos Recursos Naturais

Imagine um continente com uma riqueza de recursos naturais, incluindo diamantes, ouro e até depósitos de petróleo e gás. África, o continente com mais recursos naturais no mundo, detém 30% das reservas minerais globais (Carmody, 2017). No entanto, muitos dos países neste continente são afetados pela pobreza, conflitos e um crescimento económico lento. Porque é que nações abençoadas com uma grande riqueza natural enfrentam mais desafios do que países com significativamente menos recursos? Este paradoxo, conhecido como a maldição dos recursos, constitui um desafio complexo que tem estado entre as preocupações de economistas e responsáveis políticos há décadas. Este artigo explora este paradoxo e analisa como a riqueza de recursos naturais em África moldou a sua estrutura económica e social, muitas vezes contrariando as expectativas.
Em África, o aparecimento de recursos naturais na maior parte dos casos não se traduziu em crescimento económico e desenvolvimento. Este fenómeno contraditório, conhecido como a maldição dos recursos, foi observado pela primeira vez há mais de trinta anos e pode ser exemplificado pelo impacto negativo na economia holandesa provocado pelo gás vindo do Mar do Norte, tendo este fenómeno sido inicialmente denominado como “doença holandesa” (Gelb, 1988). Neste cenário, as exportações de recursos originam a valorização da moeda do país, tornando as outras exportações menos competitivas (Auty, 2002). No entanto, a maldição dos recursos no contexto africano vai além do impacto económico da doença holandesa. Abrange uma variedade de áreas políticas e sociais e a sua dinâmica. Robinson et al. (2006) argumentam que a descoberta de um recurso num país com instituições fracas leva muitas vezes a políticas ineficientes para preservar o poder político e explorar os lucros dos recursos. A relação destes fatores com o aumento da corrupção (Vicente, 2010) e conflitos violentos (Angrist & Kugler, 2008; Berman et al., 2017) tem sido comprovada empiricamente em vários cenários. Em Moçambique, por exemplo, a descoberta de gás natural aumentou a corrupção no governo e alimentou conflitos civis, uma vez que as instituições do país estão predominantemente concentradas na extração de matérias-primas e poderiam beneficiar de mais transparência (Freedom House, 2022). Este padrão não é único. Na Nigéria, o lucro do petróleo está relacionado com episódios persistentes de corrupção e conflitos regionais, especialmente no Delta do Níger (Watts, 2004). Da mesma forma, a vasta riqueza mineral na República Democrática do Congo, incluindo recursos como coltan e cobalto, não resultou em prosperidade económica generalizada, mas tem sido uma causa contínua de conflitos e problemas de governança (Lalji, 2007). Estes exemplos destacam uma tendência no continente, onde a riqueza de recursos naturais normalmente não é propícia ao desenvolvimento económico. Na verdade, frequentemente acentua vulnerabilidades existentes, como a má governança, a corrupção e o conflito, fomentando o ciclo de subdesenvolvimento apesar da abundância de recursos naturais.

Uma análise sobre os preços de mercadorias e conflito: o caso da Colômbia
Um estudo conduzido por Dube e Vargas (2013) ilustra um mecanismo específico da maldição dos recursos. Este analisa o contexto da Colômbia, apresentando lições valiosas. A relação entre os choques do lucro provenientes dos preços das mercadorias e o conflito armado na Colômbia clarifica um aspeto crítico da maldição dos recursos: como a riqueza em recursos naturais pode inadvertidamente alimentar a violência. Os dados colombianos revelam dois efeitos contrastantes do impacto dos preços das mercadorias no conflito armado, baseados na natureza das mercadorias envolvidas – produtos agrícolas como café, que são intensivos em mão-de-obra, e recursos naturais como petróleo, que não o são. Durante a década de 1990, uma queda significativa nos preços do café levou à diminuição dos salários e, consequentemente, a um aumento da violência nas regiões produtoras de café. Isso está em concordância com o ‘efeito de custo de oportunidade’, em que os salários mais baixos na agricultura tornaram mais atrativa a oferta de mão-de-obra para a apropriação violenta. Por outro lado, um aumento nos preços do petróleo resultou num aumento da receita municipal e maior violência em áreas ricas em petróleo, ilustrando o ‘efeito de rapacidade’, onde os ganhos potenciais provenientes da apropriação dos lucros dos recursos estimularam o conflito. Este exemplo colombiano é particularmente relevante para África, onde muitas economias dependem de alguns produtos-chave. As flutuações nos preços de produtos agrícolas e recursos naturais podem ter impactos profundos na estabilidade local e nacional.

Superar a Maldição dos Recursos
Embora a maldição dos recursos apresente bastantes desafios, não é algo inevitável. Com base nas conclusões de investigadores como Collier (2007), Collier & Laroche (2015) e Robinson et al. (2006), assim como em exemplos bem-sucedidos de países como o Botsuana ou a Malásia, podemos identificar estratégias para os países africanos gerirem eficazmente os seus recursos naturais.
Melhorar a transparência e disseminação de informação: De acordo com o notável trabalho de Armand et al. (2020), a disseminação de informação sobre gestão de recursos para o público em geral pode aumentar a mobilização dos cidadãos e reduzir a violência. Esta abordagem potencia a diminuição da apropriação por elites e da motivação do lucro.
Reforçar instituições: Construir instituições sólidas, transparentes e responsáveis é crucial para uma gestão eficaz dos recursos. Como enfatiza Robinson et al. (2006), isso inclui aprimorar estruturas de governança e o enquadramento legal.
Introdução de um quadro de gestão abrangente: Seguindo as recomendações de Collier (2007, 2015), os estados africanos devem considerar uma abordagem abrangente para a gestão de recursos. Isso inclui procedimentos justos para a descoberta e a contratação de recursos, dando prioridade a infraestruturas com benefícios públicos na exploração, introduzindo sistemas tributários transparentes e investindo as receitas dos recursos nos setores público e privado.

Para concluir, a maldição dos recursos é um desafio paradoxal para África, um continente rico em recursos naturais e ainda a debater-se com desafios económicos e sociais. Como vimos, a maldição não se trata apenas de fenómenos económicos como a ‘doença holandesa’, mas também de questões mais profundas de governança, corrupção e conflito, como evidenciado em países como Moçambique, Nigéria e a República Democrática do Congo. No entanto, a situação não é irreversível. Seguindo o exemplo de modelos bem-sucedidos, como os observados no Botsuana e na Malásia, e tendo em conta as descobertas científicas de Collier, Robinson e outros investigadores, os estados africanos podem seguir um caminho para uma gestão eficaz dos recursos. Isso incluiria melhorar a transparência, fortalecer instituições e adotar uma abordagem holística para a gestão de recursos.

 

Bibliografia
Angrist, J. D., & Kugler, A. D. (2008). Rural windfall or a new resource curse? Coca, income, and civil conflict in Colombia. The Review of Economics and Statistics, 90(2), 191-215.
Armand, A., Coutts, A., Vicente, P. C., & Vilela, I. (2020). Does information break the political resource curse? Experimental evidence from Mozambique. American Economic Review, 110(11), 3431-3453.
Auty, R. (2002). Sustaining development in mineral economies: the resource curse thesis. Routledge.
Berman, N., Couttenier, M., Rohner, D., & Thoenig, M. (2017). This Mine Is Mine! How Minerals Fuel Conflicts in Africa. American Economic Review, 107(6), 1564-1610. https://doi.org/10.1257/aer.20150774
Carmody, P. (2017). The new scramble for Africa. John Wiley & Sons.
Collier, P. (2007). The bottom billion. ECONOMIC REVIEW-DEDDINGTON-, 25(1), 17.
Collier, P., & Laroche, C. (2015). Growth brief: Harnessing natural resources for inclusive growth.
Dube, O., & Vargas, J. F. (2013). Commodity price shocks and civil conflict: Evidence from Colombia. Review of Economic studies, 80(4), 1384-1421.
Gelb, A. H. (1988). Oil windfalls: Blessing or curse? Oxford university press.
Lalji, N. (2007). The resource curse revised: Conflict and coltan in the Congo. Harvard International Review, 29(3), 34-38.
Robinson, J. A., Torvik, R., & Verdier, T. (2006). Political foundations of the resource curse. Journal of Development Economics, 79(2), 447-468. https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.jdeveco.2006.01.008
Vicente, P. C. (2010). Does oil corrupt? Evidence from a natural experiment in West Africa. Journal of Development Economics, 92(1), 28-38.
Watts, M. (2004). Resource curse? Governmentality, oil and power in the Niger Delta, Nigeria. Geopolitics, 9(1), 50-80.

 

Escrito por Marc Eigen, Mestrado em Desenvolvimento Internacional e Políticas Públicas na Nova SBE e NOVAFRICA