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As migrações como força motriz para a mudança

A migração é, em última análise, uma decisão individual, com a maioria dos ganhos e perdas afetando diretamente o próprio migrante. Idealmente, a liberdade de alguém se localizar onde se sente melhor para ganhar a vida para si e para a sua família deve ser tomada como um valor absoluto. Mas há, naturalmente, considerações práticas ao nível dos países que acolhem imigrantes, particularmente em tempos de crescente sentimento anti-imigração.

Muitos destes aspectos práticos têm a ver com os benefícios e os custos da migração não serem claros para o indivíduo. Os ganhos individuais para os imigrantes dependem de uma integração adequada, muitas vezes intimamente relacionados com a capacidade de encontrar e manter um emprego. A integração do mercado de trabalho requer capacidades cognitivas (relacionadas à proficiência linguística, compreensão dos processos de busca de emprego e outros fatores específicos do país) e não cognitivas (como a crença de que todos os trabalhadores serão potencialmente considerados para qualquer trabalho, independentemente da sua nacionalidade, e que ser imigrante não é sinónimo de segregação fora do mercado de trabalho). A integração dos imigrantes no mercado de trabalho está longe de ser efetiva em todos os países europeus e são cruciais políticas que promovam uma boa integração dos imigrantes.

Além da integração e não segregação dos imigrantes individuais, também é importante considerar os custos individuais da migração. Os refugiados deixam situações em que a morte é próxima de certos e, portanto, o custo de oportunidade de migrar é próximo de zero. Mas esse não é o caso da maioria dos migrantes que chegam à Europa na esperança de melhores perspectivas de vida através de traficantes  ilegais. Esses migrantes muitas vezes deixam seus países de origem sem conhecerem os riscos que enfrentam nas viagens de migração. A maioria dos migrantes da África Ocidental que se dirigem para a Europa atravessa o deserto do Saara para chegar à Líbia e vai de lá para a Itália por mar. Esta é uma rota perigosa, e a parte mais perigosa não é a travessia do Mediterrâneo, que é a mais enfatizada pelos media. Muitos dos que deixam os seus países a caminho da Europa perdem a vida no deserto ou são escravizados após chegarem à Líbia. E isso não é conhecido nas suas aldeias de origem e entre outros potenciais migrantes. As políticas que promovem boa informação sobre os riscos da migração ilegal para a Europa, juntamente com os benefícios reais – que muitas vezes são exageradas por potenciais migrantes – é uma política que deve ser mais fortemente promovida pela Europa, mesmo que apenas com esses potenciais migrantes em mente.

Passando dos migrantes individuais para a Europa como um todo, o impacto que as recentes ondas de imigração podem trazer é cada vez mais questionado. Muitas vezes, argumenta-se que os imigrantes vão roubar empregos, deprimir os salários, abusar dos serviços públicos ou aumentar as taxas de criminalidade. A evidência contraria estas alegações. Em geral, uma série de estudos mostram que os países anfitriões tendem a ganhar não só em termos de produtividade e diversidade, mas também em termos de fortalecimento dos serviços públicos e da segurança social, já que os imigrantes pagam mais do que o que usam dos serviços públicos. Não há evidência do aumento das taxas de criminalidade. Se alguma coisa, os dados mostram que a maioria dos efeitos negativos da imigração estão concentrados nos salários e postos de trabalho disponíveis para outros imigrantes de qualificações similares que chegaram mais cedo aos países de origem. Embora esta evidência possa justificar o motivo pelo qual muitas vezes observamos imigrantes de longo prazo associados aos recentes movimentos populistas anti-imigração, há claramente margem para que se informe a opinião pública sobre o impacto real da imigração na Europa.

Por último, mas não menos importante, há evidência crescente de que a migração internacional é, por si só, uma ferramenta de desenvolvimento que pode elevar os padrões de vida nos países de origem e, dessa forma, auto sustenta outros fluxos migratórios. Isso acontece devido ao “ganho de cérebros” através do qual a migração internacional aumenta o bem-estar nos países de origem através de mais investimentos em educação e saúde, maior exigênica cívica e qualidade das instituições políticas, mais empreendedorismo e investimento empresarial, sistemas financeiros mais desenvolvidos, aumento dos fluxos de investimento direto estrangeiro e comércio internacional.

Uma visão holística das consequências dos fluxos de imigração para a Europa exige a integração de todos estes diferentes fatores. Uma visão mais estreita, ignorando como a migração internacional atua como um mecanismo de amplas transformações, não nos permite ter a capacidade de responder corretamente a esse desafio de nossos tempos.

Catia Batista
Professora da Nova SBE  e Diretora Científica do NOVAFRICA

Este artigo foi publicado em EC Global Review 2017